08/03/2023

LIVRO | O DICIONÁRIO DAS PALAVRAS PERDIDAS, PIP WILLIAMS

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E se as palavras das mulheres não viessem no dicionário? E as palavras do povo, dos pobres, dos criados, das pessoas das ruas e dos campos...? E se o dicionário fosse só feito de palavras de intelectuais e estudiosos?

São questões como estas que se levantam ao ler "O Dicionário das Palavras Perdidas, de Pip Williams

O "Dicionário das Palavras Perdidas" passa-se entre o final do século XIX e o início do século XX e é uma história de uma vida entre palavras. Esme é dona de uma uma grande curiosidade e perspicácia. É órfã de mãe e passa a sua infância debaixo da secretária do pai no Scriptorium, um barracão em Oxford onde o pai trabalho, juntamente com outros lexicógrafos, para criar o primeiro Dicionário de Inglês.

Esme tem uma relação e um apreço tão fortes com as palavras que depressa começa a colecioná-las. Primeiros as que se perdem ou se ignoram no Scriptorium. Depois, com palavras que vai recolhendo dos seus amigos, conhecidos, de qualquer lado que vá e ouça uma palavra nova que lhe desperte a atenção.

À medida que vai crescendo, Esme percebe que há muitas mais palavras importantes além das que estão no dicionário. E que nem todas as palavras deste têm a melhor e mais completa definição. Então, passa a andar sempre com lápis e papel no bolso para registar palavras, os significados e citações de quem as lhe dá a conhecer. Com o tempo, Esme cria o seu próprio dicionário, o Dicionário das Palavras Perdidas, cheio de palavras que ajudam a entender melhor o mundo e a vê-lo pelo o olhar de todos, não só dos intelectuais que criavam o dicionário inglês. 

Pip Williams, pegou na história da criação do Dicionário de Inglês de Oxford e transformou-a numa história de amor e num ensaio sobre a importância das palavras. Confesso que, ao início, senti que a leitura foi um pouco lenta. Mas conforme a narrativa se vai desenrolando, vai tornando-se cada vez mais interessante e envolvente.

O "Dicionário das Palavras Perdidas" é mais do que um livro bem escrito, com uma história interessante. É uma ode às palavras e uma obra que nos faz pensar sobre a forma como o mundo está construído e sobre a origem e significados das palavras que usamos todos os dias.


AS PALAVRAS SÃO MAIS DO QUE PALAVRAS

Há muitos anos que tenho esta máxima de que as palavras são mais do que palavras, são poder, são algo que podemos usar para nos expressarmos, criar e reinventar. São uma forma de criatividade e algo que em que podemos pegar para dar novos sentidos e significados. No fundo as palavras, quando usadas da melhor forma, são como magia.

As palavras são algo em evolução (como tudo na vida) e por isso é que gostei tanto deste livro. Porque nos lembra que palavras não são (só) dos intelectuais, são do povo. São de quem as fala, de quem as vive. Isto lembra-me as expressões típicas da minha terra. Em mais nenhum sítio ouvi alguém cumprimentar alguém com "então 'nha velha". As palavras são dos lugares. Tal como o eterno dilema de ténis ou sapatilhas entre sul e norte. 

E se há prova que as palavras têm poder e são capazes de nos marcar é que li as últimas 23 páginas a chorar.


PALAVRA DE MULHER

Um dos grandes focos d'O Dicionário das Palavras Perdidas - e algo que adorei - são as palavras das mulheres. Em como eram ocultadas do dicionário porque os lexicógrafos não as consideravam interessantes ou úteis, ou em como tinham definições pouco corretas ou incompletas, por falta de conhecimento e sensibilidade. Afinal, por mais estudos que se tenham, há coisas que só vivendo ou passando se conseguem definir. 

Um exemplo muito prático é uma passagem com as definições de menstruação: "Derramar a caramenia e Contaminar, por exemplo, com sangue menstrual. (...) Menstruado era a condição de estar mênstruo. E menstruoso significava outrora horrivelmente sujo ou contaminado. Menstruoso. Como monstruoso."

 Este é apenas um dos exemplos de "palavras de mulheres" que aparecem no livro. Esme dedica parte da sua vida a ouvir outras mulheres e a recolher as suas palavras. Sendo que cada uma delas é muito mais do que uma entrada no dicionário, são história de vida, de luta e resistência.

O livro de Pip Williams também aborda temas como a Grande Guerra e o Movimento Sufragista. Este último foi tratado de forma a mostrar os dois lados da luta: um mais ativista e, até, violento; e outro mais pacífico e intelectual mostrando, desta forma, o poder das palavras.

Além disso, este livro fala muito sobre a emancipação das mulheres. Um tema que adoro! Esme não era mulher normal do final do século XIX e início do XX, ela estudou, trabalhou entre homens, afirmava sem tabu que não queria casar... Também haviam outras personagens femininas com uma forte personalidade que saíam do padrão das mulheres da época e que representam o feminismo e a luta pelos direitos iguais.

Como é o caso da Ditte, a única mulher que realmente existiu na vida real e que muito contribui com palavras e definições para o primeiro dicionário de inglês de Oxford. Aqui desempenhando, também, o papel de "tia" de Esme, uma amiga da família que em muito contribuiu para o percurso da protagonista. 


RÁPIDAS CONCLUSÕES

O Dicionário das Palavras Perdidas já estava há uns meses na minha wishlist, em fevereiro foi o livro do mês do The Characters Club e foi a oportunidade (e desculpa) perfeita para o ler. Tornou-se um favorito da vida e, muito provavelmente, um livro que vou querer reler, porque tem tanto sumo que sinto que preciso de mais leituras para absorver tudo.

"As palavras são como as histórias (...) Mudam à medida que vai passando de boca em boca." Esta foi das minhas palavras preferidas e a que melhor define o livro e a minha opinião sobre o tema. Tudo é mutável e as palavras não são exceção. Vão mudando conforme o mundo muda, adaptando-se a novas realidades, visões, descobertas e conquistas. Vão mudando consoante as pessoas que as espalham e o objetivo com que são ditas. As palavras são poder e têm um grande valor na história e nas nossas vidas.



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